quarta-feira, setembro 29, 2004

Laranja Mecânica (Futebol Total) e o Mundial de 74

Não irei escrever sobre o filme, de Stanley Kubrick, que retrata o comportamento, hipotético, duma sociedade do século XXI, realizado em 1971. Irei, sim, falar sobre a Laranja Mecânica de 1974, a fantástica selecção que deu ao mundo o idolatrado Futebol Total, idealizado por Kovacs e Michels, primeiramente testado nos laboratórios do Ajax e lapidada nesta selecção holandesa.

“Se Deus criou o mundo, os holandeses criaram a Holanda”. Um pequeno país de 15 milhões de habitantes, situado entre o norte e sul do continente europeu, viu chegar o futebol nos meados da década de 70 do século XIX, tendo sido fundada a sua federação em 1889. Na opinião de muitos, esta concepção de jogo que tem como pontos fundamentais o colectivismo e a solidariedade só poderia surgir, de forma natural, na Holanda, devido à cultura deste pequeno estado. Um país visionário, responsável por uma das maiores revoluções na abordagem táctica, do mundo do futebol, um exemplo de inteligência em movimento.

O Futebol Total ou Carrossel, devido constantes movimentações dos jogadores e à constate circulação da bola, fazendo lembrar um moinho holandês e confundindo as marcações do adversário. Assim, o 4-3-3 de Rinus Michels, transformava-se num 3-4-3 ou num 4-4-2 em questão de segundos. A suas origens começam em 1964 no Ajax de Michels, os seus jogadores pareciam não ter posições fixas e pré-determinadas em campo, mas não era bem assim as suas movimentações eram rápidas e segundo um esquema muito bem planejado, estava surgindo o Futebol Total! Os céus (e os centros de formação do Ajax e do Feyenoord do após guerra) vieram ajudar Rinus Michels, pois contava com uma excelente geração de jogadores autónomos, muito inteligentes e com um óptimo preparo físico. Para ajudar à implementação deste estilo de jogo a maior parte dos jogadores actuava em dois clubes: Ajax (Cruyff, Neeskens, Rep, Krol, Haan e Suurbier) e Feyenoord (Van Hanegen, Jansen e Rijsbergen).

A Holanda apurou-se para o Mundial da Alemanha, vencendo o seu grupo na fase de qualificação, derrotando a Noruega (em casa por 9-0 e fora por 2-1) e a Islândia (ambos em casa por 5-0 e 8-1) e empatando com a Bélgica (por 0-0 em ambos os jogos). Esta Laranja Mecânica de Michels tinha como onze base – Jongbloed; Suurbier, Haan, Rijsbergen e Krol; Neeskens, Jansen e Van Hanegen; Rep, Cruyff e Resenbrink – a suas principais estrelas eram o fora-de-série Johan Cruyff (que mais tarde viria a afirmar: “Sempre me perguntei se mudaria o vice campeonato e os elogios que recebemos, pelo titulo em si. Penso nisso e não acredito que o trocasse. Claro que o gostaria de ter ganho, mas tantos anos depois quase se recorda mais a Laranja Mecânica do que a equipa campeã. A partir dessa data passou a falar-se em todo o mundo do futebol holandês”), Neeskens (eterno companheiro de campo de Cruyff, foi sem duvida o melhor jogador da Holanda na final frente à Alemanha), Resenbrink, Krol, Hann e Rep.



Na primeira fase do Mundial, a Holanda venceu o Uruguai (2-0), empatou contra a Suécia (0-0) e venceu a Bulgária (4-1), ficando à frente do grupo com cinco pontos e no segundo lugar a Suécia com 4 pontos. Após uma primeira fase que surpreendeu o mundo, simplesmente com um golo sofrido devido aos seus oponentes raramente poderem tocar na bola, encontraria nesta segunda fase o Brasil, a Argentina e a Alemanha Oriental. Venceu os dois primeiros jogos frente a Argentina (4-0) e a RDA (2-0), tendo o último e decisivo jogo, desta fase, frente ao Brasil (Zagalo, que era seleccionador brasileiro, sobre a partida frente a Holanda: “Não me preocupam, pois não têm tradição no campeonato. Já estou a pensar na final, com a Alemanha”), o primeiro do grupo (o vencedor do jogo) iria defrontar a Alemanha na final. O Brasil já sem Pelé, sem o brilho do Mundial de 1970 (quatro anos antes) e jogando de um estilo extremamente defensivo foi incapaz de controlar o encontro, estes pontos negativos foram ainda mais notórios, quando começou a recorrer a um jogo violento. A selecção “laranja” só conseguiu marcar no segundo tempo por Neeskens e Cruyff, o primeiro deveu-se a execução rápida duma falta, Cruyff e Neeskens combinaram entre si este ultimo marca o 1-0; o golo de Cruyff é um verdadeiro exemplo do Futebol Total idealizado por Michels, um cruzamento vindo na esquerda encontra Cruyff e este remate de primeira, fazendo o golo.

Na final, frente à Alemanha Ocidental (RFA), a Holanda já não era a mesma dos jogos anteriores, esta estava mais arrogante e não tinha em conta a forte formação alemã. Na final de Munique iriam encontrar-se duas das maiores personalidade do futebol mundial actual, Johan Cruyff (a sua primeira e ultima final) e Franz Beckenbauer (sua ultima hipótese de ganhar o campeonato do mundo). O jogo praticamente começa com o golo da Holanda, fazendo a bola circular por todos os seus jogadores num total de 17 passes, mostrando toda a cultura do seu futebol, ganha uma grande penalidade após uma falta sofrida por Cruyff, Neeskens executa na perfeição fazendo o seu 5º golo no Mundial e o 1-0. “Fantástico, a Alemanha não tocou na bola e já tinha sofrido um golo!” Irritados por causa disso, também por causa da imprensa alemã que previra a sua derrota, os jogadores alemães tentaram logo reagir, em busca do empate, mas o remate de Breitner passa ao lado. Com Cruyff extremamente bem marcado por Berti Vogts a Holanda não conseguia jogar o seu futebol. O empate acontece, aos 25 minutos, após uma recuperação, na defesa, da bola por de Beckenbauer, este passa Overath, vendo Holzenbein passa-lhe a bola, este com uma jogada individual ganha uma grande penalidade, má decisão do árbitro, que resultaria no golo do empate, feito por Breitner. Jongbloed, guarda-redes holandês e o único, no Mundial, que defendia sem luvas, com uma excelente exibição vai aguentando o empate, até aos 43 minutos quando Muller marca, após passe de Bonhof. Ao intervalo Michels tira o lesionado Rensenbrink, entrado Van der Kerkhof (este marcaria à Alemanha, numa fase final do mundial, mas só seria passados quatro anos). A segunda parte foi pouco mais do que um conjunto de oportunidades falhadas por parte da Holanda. Neeskens multiplicasse nas acções do meio-campo, tentando chegar ao golo e devido a má exibição de Cruyff. O jogo holandês tornou-se cada vez mais individualista, foi “incapaz de seguir a sua crença no Futebol Total, quando mais falta lhe fazia”.

http://fifaworldcup.yahoo.com/02/en/pf/h/pwc/mr/2063.html



(O esquema táctico acima reproduzido ilustra apenas uma referência lembrando um 4-3-3, mas que sempre se diluía ao longo dos jogos. Os números indicativos das camisas correspondem a: 1- Jongbloed; 2- Suurbier, 5- Haan, 3- Rijsbergen, 4- Kroll; 7- Neeskens, 6- Jansen, 8- Van Hanegen; 9- Rep, 10- Cruyff, 11- Resenbrink.)


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